SPACE X - COMO AMERICANOS INCENTIVAM EMPRESAS A VENCEREM A CORRIDA ESPACIAL

Veja como o governo americano investiu mais de 8 bilhões de dólares para que empresas privadas ganhem o mercado mundial de lançamento de pessoas e cargas ao espaço  

José Carlos Martins F. de Mello
Consultor da Valor Agregado

No sábado, dia 30 de maio de 2020, os Estados Unidos lançaram, pela primeira vez em 9 anos, os astronautas Bob Behnken e Doug Hurley com destino a Estação Espacial Internacional (EEI) com foguete norte-americano e astronave (cápsula) americana. Foi um sucesso! A astronave Crew Dragon retornou com sucesso no domingo, 2 de agosto de 2020.

A EEI é um laboratório que teve a construção iniciada em 1998, situado a uma altitude que varia de 408 a 418 km, essencial para experimentos em ambiente de microgravidade e na investigação dos efeitos de longos períodos no espaço sobre o corpo humano. Sua construção e manutenção consumiram 150 bilhões de dólares – um terço, em viagens para reabastecimento e troca de tripulação.

O lançamento será através do foguete Falcon-9 e da astronave (cápsula) Crew Dragon, fabricados pela SpaceX cujo CEO é Elon Musk, que é também presidente e fundador da Tesla Motors. Os Estados Unidos não lançam seus próprios astronautas ao espaço desde a aposentadoria dos ônibus espaciais em 2011. Para enviar seus astronautas à EEI pagam (em média) 55 milhões de dólares por astronauta para que a Rússia envie americanos ao espaço utilizando a comprovada cápsula Soyuz, desenvolvida na década de 80.
Por que os americanos ficaram por 9 anos pagando caro a um outro país para levar os seus astronautas no espaço? Será mais uma evidência da decadência dos Estados Unidos? Nada disto, vamos entender melhor o que está acontecendo.

A CREW DRAGON JÁ ESTEVE NA EEI

Eram 2 horas e 49 minutos da madrugada de 2 de março de 2020, na Flórida, Estados Unidos, quando foram acionados os motores do foguete Falcon-9, projetado e construído pela SpaceX, empresa do bilionário e entusiasta de viagens espaciais Elon Musk. Do Centro Espacial Kennedy, partia para um teste inaugural a primeira cápsula projetada e desenvolvida por uma empresa privada para levar seres humanos ao espaço. Produzida sob a supervisão da NASA, a agência espacial norte-americana, a Crew Dragon comporta 7 pessoas. Naquele sábado, levava apenas um manequim portando o traje espacial da empresa com sensores para medir a aceleração a que um astronauta seria submetido no voo.
O motor do segundo estágio impulsionou a cápsula a até 200 km de altitude e a cerca de 27 mil quilômetros por hora. A Crew Dragon estava no espaço. No dia seguinte a cápsula se conectou de modo autônomo à Estação Espacial Internacional (EEI), antes de retornar à Terra em 8 de março e ser resgatada no Atlântico, próximo à costa da Flórida. As cápsulas Crew Dragon, depois de um voo, ainda podem servir para o transporte de carga até a EEI. Ao contrário de as cápsulas dos concorrentes russos e chineses, a Crew Dragon pode ser reutilizada.
Não é a primeira vez que uma cápsula da SpaceX vai até a EEI. De 2012 a 2018, uma versão mais simples – a Dragon-1, destinada ao transporte de carga, realizou 15 voos, atracou 14 vezes à EEI e retornou à Terra para ser reutilizada.
O sucesso da Crew Dragon é um feito inédito e duplamente simbólico. Demonstra que uma empresa privada alcançou maturidade tecnológica para realizar voos até a órbita terrestre com eficiência, segurança e um custo inferior ao de programas tradicionais das agências espaciais governamentais. Também indica que empresas privadas norte-americanas estão perto de recuperar a autonomia para levar seres humanos ao espaço por conta própria, sem depender de apoio de governos.

O FOGUETE FALCON-9

Três minutos após o lançamento em que levava a Crew Dragon, o Falcon-9 já se encontrava a 90 km de altura e deixava para trás seu primeiro estágio, que pousaria para ser reutilizado em outra missão. Isto mesmo, o primeiro estágio do Falcon-9 é recuperável (a foto do início deste post mostra o pouso de 2 primeiros estágios da Falcon-9). Após a sua separação do segundo estágio, ele pousa suavemente em uma plataforma da SpaceX no mar. Isto não é mais novidade para a SpaceX: desde junho de 2010 até maio de 2020, os foguetes da família Falcon-9 foram lançados 87 vezes com 85 sucessos totais, 1 sucesso parcial e 1 perda total da carga e do foguete. Deste total, foram feitas 61 tentativas de pouso vertical do primeiro estágio, com 51 sucessos. Em março deste ano, um dos primeiros estágios recuperado foi usado pela quarta vez com sucesso absoluto. A recuperação do primeiro estágio significa simplesmente que a SpaceX tem um custo muito menor e é a única organização (privada ou estatal) que detém esta tecnologia! O Falcon-9 também foi o foguete mais lançado em 2020, com sucesso em todos os lançamentos.
Existe uma outra empresa privada norte-americana a United Launch Alliance - ULA (joint venture entre Lockheed Martin Space Systems and Boeing Defense, Space & Security) que produz e lança foguetes ao espaço. Esta empresa desenvolveu o Atlas-V um foguete que tem em seu currículo 138 lançamentos sem nenhuma falha! Entretanto, cada lançamento do Atlas-V custa 110 milhões de dólares e o foguete não é recuperável.

GOVERNO NORTE AMERICANO CONTRATA EMPRESAS PRIVADAS PARA DESENVOLVER ASTRONAVES

Em 2014, a NASA assinou contratos com a Boeing e com a SpaceX para a construção de veículos tripulados a serem usados na ponte espacial entre Cabo Canaveral e a EEI. A Boeing recebeu 5,1 bilhões e a Space X recebeu 3,1 bilhões para desenvolver as espaçonaves Starliner e Crew Dragon. Estas espaçonaves, ao contrário de todas outras russas e chinesas são reutilizáveis. O projeto da Starliner prevê que seja reutilizada 10 vezes. A meta inicial era para o primeiro lançamento ocorrer em 2017, mas as duas empresas tiveram atrasos por dificuldades técnicas.

A SpaceX lançará primeiro porque a Starliner teve problemas em seu último teste em dezembro do ano passado. Isto mostra a “paciência” que a NASA está tendo com as duas empresas privadas.

EMPRESAS PRIVADAS NORTE-AMERICANAS DOMINARÃO O NEGÓCIO DE LANÇAMENTOS DE CARGA E DE PESSOAS AO ESPAÇO

Veja a como estão as empresas privadas dos Estados Unidos

  • A United Launch Alliance - ULA detém a tecnologia de fabricação  operação do foguete Atlas-V (entre outros) que é utilizado para lançar lançar foguetes militares, de empresas privadas e de governos de outros paises. O governo americano é o maior cliente da ULA.
  • A Boeing está terminando o desenvolvimento da Starliner, astronave recuperável para enviar passageiros ao espaço.
  • A SpaceX detém a tecnologia comprovada do Falcon-9  cujo primeiro estágio é recuperável. O Falcon-9 já foi lançado 87 vezes (muitas com reutilização do primeiro estágio) mais vezes do que o Ariane-5, o foguete da ESA - Agência Espacial Européia. A SpaceX já foi contratada por diversos países para lançar seus satélites ao espaço.
  • A SpaceX já está vendendo, com ajuda da startup Axion Space, as passagens para 3 turistas que irão à EEI em 2021. O preço da passagem é de 55 milhões de dolares.

A ESTRATÉGIA DOS ESTADOS UNIDOS: EMPRESAS AMERICANAS NA FRENTE

Estas empresas privadas, de alta tecnologia, já dominam a atividade comercial de lançar cargas e pessoas no espaço. Enquanto isto os concorrentes estatais russos, europeus, chineses, japoneses e indianos vão marcando passo e perdendo negócios para empresas privadas mais eficientes.

Devido à concorrência, a Rússia já acusou a SpaceX de dumping e reduziu o seu preço de lançamento de foguetes em 30%. A européia Arianespace anunciou este ano que vai desenvolver foguetes recuperáveis. Vai tentar recuperar o terreno perdido.

Os americanos saem à frente: como entendem que empresas privadas são muito mais eficientes do que agências estatais, ficaram 9 anos dependendo dos russos para lançar astronautas ao espaço. Enquanto isso, investiram para que empresas americanas desenvolvessem tecnologia de ponta para reduzir de forma significativa o custo das viagens espaciais. A NASA (uma agência governamental) teve paciência com os atrasos e investiu pesado para que empresas americanas desenvolvessem a tecnologia para ganhar o mercado mundial. Porém tiveram o cuidado de não criar monopólios: tanto foguetes quanto cápsulas são produzidos por 3 empresas (ULA, Boeing e SpaceX) que são concorrentes ferozes!